O tempo tinha mudado nos últimos dias e a lagoa pasmacenta deu lugar a um mar forte e bruto. Até a chuva que há quase um mês não caía nos veio visitar naquele dia. Podia não estar muito agradável para apanhar sol mas, bem escolhido o spot, estava mais do que bom para pescar uns robalos.
Equipados a rigor, lá fui eu com o grande Cuco na tentativa de safar a grade numas rochas ilhadas. A ondulação de 2 a 3 metros metia medo, ainda por cima com um período de vaga de 5 ou 6 segundos! No primeiro "cantinho abrigado" que escolhemos o Sérgio enganou logo um mikizito que, apesar de prontamente devolvido, nos deu logo um alento especial. Lembro-me de comentar que "com aquele mar devia era andar ali tarolada e não mikis"... mas... toca a continuar a tentar. O tempo ia passando, a maré cada vez mais vaza e o sol cada vez mais baixo, até que o Cuco dá sinal com mais um robalo. Este já tinha a medida do saco! Com este segundo peixe do Cuco, tirado com a mesma amostra do primeiro, rendi-me às evidências e resolvi trocar a minha por uma igual; contudo, sem resultados práticos... imediatos. Tínhamos compromissos e por isso a pesca estava destinada a acabar às 18h. Com pouco mais de uma horita para fazer a festa voltei a um local onde já tínhamos tentado molhar as amostras sem êxito, cuspidas mar fora. Com menos água podia ser diferente. Tentei, tentei, tentei e já quando me preparava para voltar para junto do Cuco levo uma pancada daquelas! Ferro de pronto e vejo o peixe a vir à superfície lá longe, o que de início me fez crer que fosse pequeno. Enganei-me e bem! Era um animal de respeito pelas cabeçadas que dava e pela forma bruta com que me impedia de o trazer para junto de mim! Aliado a este facto, o mar forte com uma escoa a condizer, eram os condimentos explosivos para uma luta épica! Assim foi. Quando me apercebo disso, chamo o Cuco e peço-lhe ajuda e ele vem de imediato ao meu encalço. Com o drag bem esganado para evitar dissabores nas rochas agrestes fui deixando o peixe debater-se com a minha cana bem erguida na vertical e tentando guiá-lo naquela gincana de pedra do fundo. Os sets pareciam intermináveis e o período de vaga que já era curto, parecia uma vaga só contínua nessa altura! Cheguei a estar uns 3 ou 4 sets sem recolher um milímetro de linha! Queria era ter o peixe ali controlado, para que quando estivesse perto trazê-lo ao sabor da onda até mim! De outra forma, naquele spot, com aquele peso e a força do mar, seria impossível... Pouco a pouco foi-se abeirando e chegou o momento crítico da "boleia na onda"; "Cuco, prepara-te que vou tentar metê-lo aí"! A onda vem, puxo por ele, quase, quase até cá fora e a onda passa e o gajo volta para trás na forte escoa! Neste retrocesso, acontece o que mais queria evitar: a linha roça na pedra e nos mexilhões, mas pelo menos solta-se... Só tinha mais aquela tentativa depois deste contratempo e foi a vaga imediatamente a seguir que ajudou a colocar o robalo a seco, depois de passar por mim e em seguida pelo Cuco que foi de imediato atrás dele para o agarrar, mas só conseguiu agarrar a linha. Quando vejo o arcabouço daquele monstro digo orgulhoso ao Cuco: "este é o recorde que procuro há mais de 5 anos"! Estava eu a terminar a frase e já uma nova vaga varria literalmente a laje rochosa onde nos encontravamos. Sinto a linha novamente a esticar à medida que a onda empurrava o robalo em direcção à praia e em seguida sinto-a a partir! Nem queria acreditar! Em segundos, o peixe com que sonhei nos últimos 5 anos, passou a ser um enorme pesadelo! A onda passou e peixe nem vê-lo! Aquele peixe de sonho de cabeça imponente e lombo gigante, que chegou a estar por segundos completamente a seco e sem forças, tinha-nos escapado! O peixe de uma vida veio, disse olá e adeus! De início fiquei perplexo e incrédulo e em seguida, senti os olhos encherem-se de lágrimas... mais triste fiquei ao ver o Cuco cabisbaixo e a pedir desculpa por não o ter conseguido apanhar. Apesar da luta espetacular e inesquecível que me deu, muito honestamente preferia nunca a ter tido, do que tê-la com aquele bizarro desfecho!
Estava de rastos e não queria pescar mais. O Cuco perguntou-me se queria ir embora e disse-lhe para continuar a pescar porque eu nem tinha vontade. Ele fez mais uns lançamentos e voltou a insistir para que pescasse mais 10 minutinhos porque já eram quase 18h. Volto a colocar a linha nos passadores, coloco o terminal e vejo que não tinha levado tesoura! Peço a do Cuco emprestada e também não tinha. Era mesmo o sinal de que não valia a pena voltar a tentar a sorte, mas o Cuco atira-me um corta-unhas velhinho a ver se desenrascava... e desenrascou. Meto outra amostra igual e vou desanimado e triste para o lado do Sérgio. Primeiro lançamento e nada. Segundo lançamento e... passa a onda e sinto uma prisão que me parece pedra... a onda passa e a linha mantém-se tensa, volto a dar-lhe um esticão e afinal não era pedra! Era um peso bruto que ia dando umas valentes toladas que dobravam a minha cana completamente! "Cuco olha a cana! Tenho aqui outro igual"! Impressionante! Impensável! De loucos! Em 3 lançamentos 2 peixes de uma vida! O Cuco aconselhava-me calma, mas já nem eu nem ele a tínhamos e fomos avançando mar dentro, mais do que podíamos e devíamos... Com a adrenalina do momento, a noção do risco esvai-se e lá estavamos os dois lado a lado, outra vez, para tentar cobrar aquele valente animal! A história repetiu-se até à escoa, mas desta feita o robalo veio na nossa direção na primeira onda sem precalços. O pior foi depois... Peço ao Sérgio que o agarre bem pois as fortes ondas sucediam-se e onde nos encontravamos sentíamos bem a sua força. Vejo o Cuco a agarrar o peixão com ambos os braços, num abraço de raiva, e em seguida vejo-o desaparecer numa onda! Em seguida, pior ainda, vejo-o a seguir no sentido contrário, o do mar, na escoa e temi o pior! Gritei-lhe: "Larga o peixe, que se lixe o peixe"! Depois de 3 ou 4 cambalhotas, que podiam ter tido um desfecho muito pior que as múltiplas feridas cortantes, o Sérgio lá conseguiu levantar-se... Que grande susto!
Já mais seguros e tranquilos, festejamos emocionados aquele animal excepcional que tínhamos conseguido capturar com muito custo e entreajuda! Há 5 anos que procurava por um peixe assim, mas nunca me tinha passado pela cabeça que desse de caras (e logo com 2!) num dia assim! Só podia ser uma Sexta-feira 13! É o meu novo recorde pessoal, mas um
recorde agridoce... Contudo, ficará para sempre na memória a forma como o meu Amigo e Compadre Serguei Kukunuts se arriscou (muito mais do que devia) para me ajudar... imagens que ainda agora, muitas horas depois, me mantêm desperto e sem sono, exacerbando o sabor acre deste recorde!
Termino com votos de um Feliz Natal e Boas festas, com uma mensagem muito especial em forma de vídeo:
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