No domingo, dia 24 de Outubro, tínhamos a última oportunidade de tentar a sorte nas costas da ilha do Faial. Apesar do cansaço da véspera, levantámo-nos cedo e decidimos conhecer o ex-libris do Faial, ou seja a sua cratera central. Foi uma viagem curta, porque as estradas estão em excelente estado, apesar de serem naturalmente bastante sinuosas. Encosta acima, fomos apreciando a paisagem e em determinados locais pudemos mesmo vislumbrar três das quatro ilhas do grupo central – Faial, Pico e S. Jorge. Depois a temperatura foi descendo, quase em simultâneo com o aumento da intensidade do vento, sinal de que nos aproximavámos do topo do vulcão e da respectiva cratera. Imperturbáveis às alterações metorológicas, as vacas lá continuavam a pastar livremente, uma expressão que é um pouco forçada, dado que em muitas situações parece ser um suplício para os pobres bichos manterem-se em equilíbrio em encostas de declive muito acentuado.
Chegados à cratera, demos por bem empregue o tempo gasto na viagem. É uma paisagem impressionante! O vento, que soprava forte de sul, quase tornava mais dantesco o cenário de uma Natureza pujante, imprevisível, mas que afinal está na origem deste recanto maravilhoso como é o arquipélago dos Açores.
Depois do almoço, iniciámos a viagem até Porto Comprido, junto ao vulcão dos Capelinhos, a última manifestação de actividade vulcânica nos Açores. Dois dias antes, o Pedro tinha gostado do local e tinha fisgado uma anchova. Desta vez, fiz-lhe a vontade e também eu aderi ao spinning, ainda que optando por montar uma zagaia. Fizemos alguns lançamentos, mas rapidamente nos apercebemos que o vento sul tinha tornado este pesqueiro impraticável. A decisão foi óbvia e invertemos o caminho do segundo dia de pesca – agora rodeavámos a ilha, seguindo para Porto Salão, na parte norte. A viagem foi curta, embora o movimento fosse mais intenso, ou não fosse domingo. Quando chegámos ao local, notámos que havia mais carros estacionados. Na descida vislumbrámos um grupo de mergulhadores que retiravam das águas do oceano um pequeno barco de fibra. Tinham estado a mergulhar nas proximidades e regressavam com uma pescaria interessante de vejas, sargos, salemas e garoupas. Mas o que mais me impressionou foi o esforço físico quase sobre-humano que foi necessário despender para transportar o barco pela íngreme encosta. Mentalmente, o meu pensamento virou-se para os pescadores profissionais que ao longo de décadas tiveram de fazer percursos semelhantes para ganharem a vida. Uma vida difícil que molda o carácter e enobrece o espírito...
Informados do que pretendíamos, os mergulhadores locais lá nos deram as indicações dos melhores locais para o lançamento das amostras. Eu continuei fiel às zagaias, ainda que sem grande sucesso. Ao fim de alguns minutos, já cansado, renunciei à pesca e fiquei a observar a tenacidade do meu filho na arte do spinning. A determinada altura virou-se entusiasmado e garantiu-me que uma bicuda tinha perseguido a amostra mesmo até ao local onde estava. Voltou a insistir, mas sem resultados práticos. Foi, então, que lhe sugeri que experimentasse as amostras passeantes. Sugestão que foi aceite e poucos lançamentos depois ouvi o Pedro gritar: “Que grande ataque falhado de um bicuda!” Reforçado no seu ânimo, lançou para o mesmo local e começou a recolher. Eu próprio não desviava os olhos da amostra, queziguezagueava na tona da água. “Foi por aqui que a outra atacou” – murmurava o Pedro. E tinha razão, já que presenciei um ataque fulminante de uma grande bicuda que saiu praticamente toda da água para atacar a amostra. “Essa já está! – gritei, instantes antes do Pedro sentir na cana e no carreto a violência do ataque. Concentrado na luta, o Pedro só murmurava que o peixe lhe estava a levar a linha toda do carreto. Lentamente, porém, a bicuda foi perdendo energia e o Pedro pôde recolher a linha, numa acção de grande paciência, entrecortada por ataques cada vez mais fracos e menos frequentes. Ao fim de cerca de 10 minutos, o peixe estava exausto, já só quase boiava e pôde ser colocado sobre uma rocha. Foi, então, que cometi um erro involuntário. Para poder descer umas rochas perigosas e chegar à bicuda, o Pedro passou-me a cana, que segurei numa mão, enquanto a outra continuava a filmar toda a acção. Em breves instantes, não me apercebi da chegada de uma onda, que levantou o peixe e o fez deslizar por uma fenda. O Pedro reassumiu, então, a acção de pesca e conseguiu, com enorme perícia, recolocar a bicuda em mar aberto. Decidiu, depois, tentar levantar o peixe recolhendo à mão a linha multifilamento. Talvez por ter roçado nas rochas cortantes, a linha acabou por ceder e a bicuda ficou solta. Por momentos ainda ficou a boiar, mas depois lá partiu para as profundezas do oceano, adornada com um piercing, de que espero se livre rapidamente. E foi assim que num curto período passei de herói a vilão – primeiro a sugerir a mudança acertada para as amostras passeantes e depois a deixar que um peixe bem ferrado e colocado estrategicamente se esgueirasse para o pior dos sítios. Vivi estes momentos com grande mágoa, porque sei que o Pedro gostaria de ter sentido nos seus braços esta belíssima bicuda com mais de 1,30 metros. O seu destino seria naturalmente a libertação, mas sem qualquer piercing... Senti mágoa pelo meu filho, mas verifiquei que no spinning, como em tudo o resto, aliás, o Pedro é um GRANDE SENHOR!
MUITO BEM.
ResponderEliminarO Sr. Cruz a destrocar!
Quanto ao caso bicudo, mais propriamente à bicuda em si, interrogo-me se não está aí um erro ??
Sr. Cruz, cá para mim enquanto estava a escrever este texto, lembrou-se da vitória do FCO frente à Académica e colocou o 1 atrás dos 30 ! Porque efectivamente este MIKI das ilhas não deve exceder os 30cm de comprimento.
Quanto ao seu destino , posterior à captura devia ser um C&R pó saco, conhecendo esse pescador como conheço ! xDDD
Abraço
Rei João
Sr.Cruz,
ResponderEliminarDeu para sentir a emoção como descreveu este relato ao ver e ouvir o video a adrenalina que vocês estavam.....muito bom,fantástico.
Obrigado.
Urubas
Sr.José,
ResponderEliminarAdorei este seu relato da jornada de pesca, uma descrição muito detalhada que parece que os acompanhei nessa aventura das bicudas!
Parabéns pelo excelente texto, e cheira-me que vamos ter mais um pescador agarrado ao spinning ;D
Abraço,
Pedro Neves
Quero deixar os meus parabéns aos dois José Cruz pela magnifica jornada de pesca em águas açoreanas, uma jornada cheia de novas espécies, de capturas com pesos fora dos normais para a nossa costa do litoral Norte, só faltaram mesmo uns tunideos e uns liríos.
ResponderEliminarO mais importante mesmo foi a partilha de excelentes momentos entre pai e filho.
Obrigado pela partilha de excelentes relatos, só fiquei com mais vontade de visitar o arquipélago.
Abraço
Hugo Marques